Pra onde você vai? Que pressa você tem? [Retrospectiva Spotify]

Painho me tirou no amigo secreto e me deu de presente um MP3 e um livro. Renato Russo de A a Z. Eu tinha 11? 12 anos? Fiquei muito feliz! São verbetes. Apesar de me incomodar um pouco com a falta de contexto, gosto de ver Renato falar! Foi nesse livro onde li o "Seja sua própria pessoa" que ficou grudado na minha cabeça. Lembrei dessa história na época das retrospectivas musicais do ano passado. Fui atrás dele. No sumário, só a página do Andrea Doria está grifada, com um marca-texto amarelo comum. Então, letra P, de Pessoa: nada. Mas aí lembrei que ele se referia aos fãs. 


Captura de tela de um vídeo da retrospectiva do Spotify. Os cinco integrantes da banda NX Zero estão em pé, enfileirados e sorriem. Na parte da baixo da imagem tem uma legenda que diz: Cê tem noção de como você é incrível?
Deve existir algum tipo de extensão que duplique automaticamente o registro de vezes que a pessoa escutou uma música nas plataformas de streaming. Vi um comentário bem ríspido sobre isso no last.fm, na descrição de um perfil. Fico pensando no porquê, que sempre parece ligado ao que se quer mostrar ou provar pra os outros. Se tivesse um meet and greet como prêmio, talvez. Eu ganhei um vídeo dos integrantes do NX. "Cê tem noção de como você é incrível"?

O chato é que grande parte desses meus números é o resumo do tempo que passo sentada na frente do computador, tentando trabalhar. Ainda vale a pena falar disso? O carnaval me dá esse direito?


Tenho prestado mais atenção à diferença entre algo que toca e eu deixo tocar e o que eu escolho escutar. Inclusive porque as playlists automáticas do Spotify irritam um pouco por serem mais do mesmo (não era isso que você queria ouvir). É angustiante escutar sempre a mesma coisa e os algoritmos de recomendação não ajudam. 


O YouTube já recomendou pra mim umas mil vezes um vídeo com o título "Você está escutando música demais". Não sei se o rapaz que aparece na capa fala disso mesmo. Mas eu fingi que nem vi. Porque não acho que estou escutando música demais. E, também, se estivesse…já sou careta, agora mais essa?


Acho engraçado que eu não saiba quantas vezes quis e prometi, a cada virada de ano, ouvir mais álbuns inteiros com atenção total. Um tipo de tarefa. Só que não sou assim. É frequente eu perceber um aspecto muito óbvio de uma música que já escutei 100 vezes quando tô escutando ela, despretensiosamente, pela 101º vez (o que não tem a ver apenas com foco). Não deixo de me emocionar por isso, e nem me culpo - mais (claro, tirando os casos em que a desatenção é um problemão). Quando não tenho muito tempo pra pensar - ou não tenho condições-, acabo escutando sempre as mesmas coisas. Porque é um lugar que já conheço, que me proporciona sensações familiares, das quais preciso no dia a dia, pra não desanimar de vez. Crio um ambiente que me permite um silêncio mental tranquilo. 


Por isso deixo rolar. O que faz com que eu não lembre de tudo no final do ano. Como quando não percebemos as pequenas mudanças diárias em quem vemos todos os dias. A surpresa não é só consequência de erros da plataforma. 


Perco muito, claro. Porque o desconhecido é importante, o espanto frequente é a primeira condição.


Na minha retrospectiva, o Spotify só errou em algumas músicas na playlist. 


Ser chamada de ouvinte "hipnotista" foi engraçado. Porque o meu jeito favorito de escutar música é por álbuns na íntegra mesmo, de alguns artistas em especial. Mas na parte da “concentração”, viajaram. Senti um debochezinho com a minha cara, como se soubessem que tem algo de artificial nessa concentração, apesar de ela considerar muita coisa do que a música envolve quase sempre. 


Nunca escuto a playlist das mais ouvidas. Geralmente é uma bagunça que resume a primeira metade do ano e que já não faz sentido em dezembro. 


Raramente escuto Radiohead, Tamino, Jeff Buckley, Cocteau Twins, Pink Floyd, de forma aleatória, por exemplo.


É interessante ver como estiveram meu coração e mente ao longo do ano. Principalmente observando as repetições.


Teve uma conversa de que a música Jigsaw Falling into Place, de Radiohead, ganhou um número explosivo de ouvintes e ninguém soube explicar direito o motivo. Comigo foi uma obsessão consciente heheh, dentro daquele movimento natural de fã.  Arriscando arrebentar as cordas velhas do meu violão com uma afinação diferente da padrão.



Queria mostrar os álbuns que fizeram barulho na minha cabeça ano passado (alguns estão na lista de mais escutados, outros não): 


Titanomaquia [1993] - Titãs

É o sétimo álbum de estúdio dos Titãs, o primeiro depois que Arnaldo saiu da banda. E tem esse título que eu adoro!

Pode ter sido um efeito colateral dos shows (o Titanomaquia ficou todo de fora do setlist), mas acho que é o meu favorito. Não são músicas que eu coloco na sala pra escutar com todo mundo. Por isso até penso que esse seja um álbum fundamental na descoberta de uma parte dos Titãs só minha. Também gosto que tenha sido produzido por Jack Endino, conectado com o Soundgarden. 


Além de tudo, a imagem de um Paulo Miklos cabeludo cantando De olhos fechados me atrai muito (fora Sérgio Britto caótico hipnotizante). Gosto particularmente dele aqui. Disneylândia é de tirar o fôlego - para além das provas de sociologia.



Faixas em destaque: 

3. Disneylândia

6. Agonizando (Ao vivo, no Olympia - 1993)

7. De olhos fechados

9. A verdadeira Mary Poppins (Ao vivo, no Olympia - 1993)


Discipline [1981] - King Crimson 


The more I look at it, the more I like it!

Bowie e Andrew Belew em 1978

Um cover de Matte Kudasai despertou a minha paixão pelo King Crimson dos anos 1980. Até ali eu só repetia o In the Court of the Crimson King e Starless.

“Disciplina é liberdade”. É a sensação que tenho escutando eles, principalmente as apresentações ao vivo. Ver a música acontecer bem na sua frente, frame by frame, perceber o estranho e nem por isso conseguir explicá-lo. Tem alguma coisa em Adrian Belew que me fascina como nada fazia há muito tempo. 


Procurando os discos que Jack Endino produziu, encontrei um comentário dele dizendo que Kurt Cobain e Chris Cornell não eram cantores excelentes desde o começo, mas se tornaram, depois de simplificar a forma como tocavam outro instrumento (ou deixavam de tocar) enquanto cantavam. Kurt, a guitarra, e Chris, na época, a bateria. Pensei em Renato Russo desistindo do baixo.


E aí, quando eu vejo essa apresentação de Frame by Frame, só penso que esse cara não é daqui!



Lô Borges [1972]  


O amado disco do tênis! 


Uma maravilha, resultado da ousadia (ou loucura) de um cara de 19 anos, lisérgico (segundo ele), que tinha acabado de fazer, junto com uma galera foda, o Clube da Esquina [também de 1972]. Acho que Lô Borges nunca abriu mão desse espírito. 


Eu me sinto muito próxima da pessoa que criou esse disco, de uma forma que não consigo explicar. “Uma coisa meio mágica”. E a amizade dele com Milton me leva pra um lugar de muito conforto e admiração, que foi onde eu quis estar em 2023. 


Essa conversa entre Charles e Lô Borges é uma delícia: Lô Borges relembra traumas durante a gravação do "Disco do Tênis" (1972) | O Som do Vinil


A vontade que eu sinto aqui é a mesma de quando escuto Estrelas, do Clube da Esquina: que dure uma eternidade. 


Faixas em destaque: 


2. Canção postal

14. Eu sou como você é

10. Faça seu jogo


A Tempestade ou O Livros dos Dias [1996] - Legião Urbana 


Muita gente não gosta do A Tempestade porque pensa na vulnerabilidade de Renato. É o álbum favorito de mainha na maioria das discussões sobre a discografia de Legião aqui em casa. 


Mas o que me fez começar a escutá-lo com frequência em 2023 foi um reels de Marisa Monte, que mostrava composições dela, no dia do compositor. Soul Parsifal estava lá. Eu nunca tinha escutado a versão com eles dois. É diferente. A que eu sempre escutei é um lado b mais triste da “original”. 


Nessas últimas gravações de Renato estão algumas das frases que mais repetimos no dia a dia aqui em casa. Você sabe o que é ter pavor, pavor, pavor de baratas voadoras?



George Harrison [1979]


O All Things Must Pass sempre foi o disco de George Harrison que eu mais escutei - adoro os outtakes, jams e demos, principalmente os de Run of the Mill. Mas é legal perceber as diferenças do meu relacionamento com o artista ao longo do tempo. As fases. Em 2023 me apaixonei por George Harrison (1979), numa tentativa de renovação de votos com George.


Agora, sobre poucas músicas desse disco eu já tenho uma impressão homogênea. Vai por trechos. Gosto muito do começo de Here comes the moon, por exemplo. No refrão, ainda estranho.


Mas a assinatura inconfundível de George sempre me derrete.


All I got to be is [😬] be happy

Faixas em destaque: 

1. Love comes to everyone (impossível não lembrar de Zizi Possi)

3. Here comes the moon

5. Blow away

8. Your love is forever


The land is inhospitable and so are we [2023] - Mitski


[...] so I open the window to hear sounds of people.


Nobody é do Be the Cowboy (2018). Foi assim que me apaixonei por Mitski. Como nos aproximamos. Quando ouvi ela cantando, por acidente, a minha fixação por me certificar de que as pessoas estão vivendo.


A postura de Mitski tem um magnetismo que me prende à música dela. Gosto muito de ver as apresentações em estúdio. Depois do clipe de Bug like an angel, fiquei esperando o álbum. Foi quando divulgaram que ela tinha ido a um show de Tamino, nos Estados Unidos. E, nessa nova turnê dela por lá, ele tá abrindo vários shows. O que me deixou feliz!


Faixas em destaque: 

1. Bug like an angel

8. The frost

10. I'm your man


Belchior Acústico [1991] - Belchior e Gilvan de Oliveira


É inacreditável que de instrumentos aqui só existam  voz e violão.


Perdi as contas de quantas vezes, pra ter um sono abençoado pela beleza musical, escutei esse disco antes de dormir. A introdução de Aparências me deixa num estado de suspensão.


Depois que assisti ao documentário sobre Belchior, não consigo parar de pensar no que ele quis dizer com "o que a letra diz é o que importa". Talvez ele se referisse a essa simplicidade quase impossível de conseguir. Está completo. Cheio. Eu amo o Belchior que está aqui!



A Rush of blood to the head [2002] - Coldplay



Coldplay sempre me leva a um lugar onde me enxergo bem. Sim, aquela velha história que só vai até o X&Y.


A rush of blood to the head é a música que mais toco no violão, a única que não esqueço. E eu, preocupada com as sensações, só fui me tocar da tradução/significado dela há alguns meses. E me propus a entender tudo o que eu sentia por ela antes e depois de saber. Nunca consigo escutá-la uma vez só e a música puxa o lado b inteiro do álbum, que é o meu mundo favorito.



El jardín de los presentes [1976] - Invisible


Bienvenidos al jardín de los presentes!


Meu padrinho fez uma camisa de Invisible pra mim. A estampa é um cartaz que Luis Alberto Spinetta ilustrou pra um show deles em San Isidro. Fui ao show dos Titãs com ela - virou uniforme.


Esse álbum é uma viagem de quase quarenta minutos. Não dá pra escutar um pedaço, tem que ser inteiro! Obsessão total! Principalmente depois de ter lido sobre os processos de gravação na biografia de Spinetta. Arrisco dizer que é o meu disco favorito de todos. E também tem sido meu jeito favorito de manter um contato contínuo com o flaco


Essa apresentação é uma disparadora certeira de sorrisos:


“El Jardín De Los Presentes abre con el bajo profundo de Machi que cae como una bomba sobre el acorde que detona el inmortal primer verso: “Ahí va el Capitán Beto, por el espacio”, un tango solar que tiene similitudes con el personaje del Major Tom creado por David Bowie para “Space Oddity”. A su vez, Beto era también una “rareza espacial”: un colectivero devenido en “amo entre los amos del aire”, que suspendido en el espacio, añora la tierra y evoca los objetos y seres queridos: los camiones de basura, el tango, un silbido, la madre, el cafetín”.
                                                              - Spinetta: Ruido de magia (Sergio Marchi), p. 273, Editora Planeta.


Passado e presente [1974] - Nelson Gonçalves


Há alguns anos, por morar longe da minha maior influência quando o assunto é Nelson Gonçalves, tenho gostado de conhecer o cantor por mim mesma. Pensando nas minhas músicas favoritas sem intervenções ou mediação. Ainda que tenha muito de vovó em tudo isso.


O Passado e presente é um dos meus favoritos (apesar de Meu dilema não estar aqui). A capa parece uma foto de alguém da família. Dentro de um porta-retratos exposto na sala durante a minha vida inteira. Os momento com Nelson são de atenção, são duradouros. Enquanto eu crescia, só álbuns e coletâneas dele, no volume mais alto.

 



Obs.: uma dúvida sincera - vocês dizem 'álbum' ou 'disco'? (eu tenho uma tendência de chamar de 'cd' kkkkkk mas acho que o efeito é como quando eu digo 'confeito' e 'percata' e me chamam de voinha). 





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