Be yourself, no matter what they say
Não tenho visto nossa vizinha de porta. O tapete da entrada da casa dela perdeu a função. É triste, o tapetinho roxo, murcho, estendido na grade que nos protege, mas principalmente ela, de uma queda feia na escada. Mainha já quis colocá-lo no lugar algumas vezes e em todas eu apareci dizendo que melhor não. Ela deve ter deixado assim por conta da poeira ou pensado em evitar lavar xixi de gato.
Sei quando começou.
Em 2021, a nossa casa também ficou completamente vazia. No dia seguinte à partida de titio, trancamos a porta por fora. O único caminho claro era o que nos levava até a casa de vovó, onde disfarçamos mal o vazio ao tentar ocupar cômodos por alguns dias.
Desde lá, as ausências um pouco mais incomuns, seja pela duração ou pelo momento, são acompanhas por uma angústia e uma desconfiança enormes. Sempre parecem ou definitivas ou longas o bastante para que alguém se certifique de que vamos dar um jeito de continuar, apesar de tudo.
Coisa de livro de terror.
Na volta, ao abrir a nossa porta, sabíamos ainda menos. Não demorou e nossos vizinhos de varanda passaram a não acender as luzes durante várias noites. "Será que aconteceu alguma coisa séria?".
Eles voltaram, mas nunca soube de onde, nem como.
Nos mudamos.
Outras pessoas moravam na nossa frente, em uma casa, dessa vez. Uma casa que, da janela do meu quarto, parecia ter saído do livro Nossa parte de noite, com a diferença de que as pessoas entravam e saíam de lá sem problemas - também não ficava na rua Villareal e nem tinha um jardim seco na frente. Imaginação, cabeça de gente medrosa inventando (o macabro ao invés do burocrático). Era mal iluminada, com marcas de chuvas e sol, sem retoques, cinza. E, aos poucos, os cachorros foram deixando de latir, as crianças, deixando de brincar, a quantidade de adultos diminuiu. Depois, apareceu uma placa de "Vende-se", meio sem jeito. Muitos cigarros fumados do lado de fora. Uma mudança lenta que terminou com a casa vazia e móveis quebrados na calçada.
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Percebi que pior que vazio é abandonado quando, um dia, acordei com um barulhão de máquina na rua. Um trator derrubando o muro, destruindo o pátio, a varanda, as salas, os quartos, revelando um pé de limão verdinho e frondoso que nunca pude imaginar.
Os matos estão ali, crescendo mais lentamente do que eu esperava. E a imagem assustadora de uma casa - onde, na minha cabeça, alguém teria ficado para trás, perdido - com boca de porta e olhos de janela já não me encara tanto.
Ainda me assusto, mas, hoje, quando titio completaria a idade das boas ideias, sinto que existe algo que insiste em iluminar as trilhas por onde precisamos andar.
[Atualização • 5/Maio] Coincidências, respostas ou superstições: por muito tempo senti medo de escrever sobre a casa abandonada. Enquanto pensava sozinha sobre ela, tudo bem (nem tanto), mas compartilhar os sentidos estranhos que cultivei parecia um desrespeito (a uma pessoa, uma memória, um lugar) ou a evocação de uma atenção indesejada. Usei a noite do domingo pra resolver tudo isso. Registrei o texto aqui um pouco antes de o dia virar, fui dormir e acordei com o barulho de máquinas na rua. Começaram a construir algo ali. Um sinal?
maria!
ResponderExcluiradoro o jeito como você escreve. sinto que tô lendo uma parte de um livro de crônicas, contos. não sei. só sei que gosto.
beijocas! <3
Maria Cacá, umas das minhas escritoras favoritas ❤️
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