Advice for the young at heart: os dez anos do meu mad diary
Quando falei da demolição da casa que me encarava nos olhos pela janela do meu quarto, mencionei uma obra prestes a começar naquele lugar.
Desde lá, foram alguns meses de bisbilhotagem.
Nesse tempo confirmei que o trabalho de construir um prédio, principalmente quando feito por pessoas excepcionalmente organizadas, hipnotiza quem vê de fora. Já o barulho da máquina de misturar concreto monopolizando o juízo parece querer te forçar a vedar todas as frestas por onde o som do mundo possa passar.
Os palpites sobre o que seria construído foram poucos, só o que fazia mais sentido.
Mesmo assim, ter uma resposta (ainda que óbvia) foi gratificante.
Outra ampliação da escola que tem uma unidade na frente do apartamento onde moro e mais uma do lado, atravessando a rua (pensar em uma encruzilhada pode ajudar). É o que diz o banner que está ali, em cima do muro. Não é chamativo, acho até pequeno se for considerar o propósito dele. Pelo menos o que imagino que seja o propósito dele. Anuncia um convite. “Venham conhecer a nossa (nova?) (...)”, o quê? Construção? Ampliação? Ao lado da frase, a foto de uma aluna. Tem mais texto, uns tópicos em letras cursivas, pequenas, indecifráveis pra mim. Estava escuro. Fiquei feliz porque desvendei a parte mais importante da mensagem. Mas os detalhes também são importantes. Deixei pra o dia seguinte.
Pouco antes de vir aqui me dei conta de que não tinha visto a rua hoje. É noite há algumas horas e apesar de ter muita fé nas lentes sobre os meus olhos, eu não consigo ver o que estão dizendo, de novo.
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Li comentários sobre memórias do futuro e como elas podem se manifestar na gente do agora. Contaram que quando você deseja algo com muita força, desejo que mais parece a certeza de alcançar, uma esperança bizarra, um presságio, uma necessidade enorme, é o seu eu do presente sentindo que o seu eu do futuro vive/tem isso. Avisos de outras dimensões.
O celular deve ter escutado uma amiga me contando a história do filme “Interestelar” e levado em conta eu querer saber se o autor de “Perdido em Marte”, Andy Weir, tinha um texto chamado “O ovo”.
Depois de um tempo fiquei me perguntando o que seria meu que meu eu do futuro me avisa por meio de vontades irreprimíveis.
Não existe nada (além do óbvio, comum, natural) que sinto querer tanto assim.
Por um momento pensei que viria daí a ideia que tenho de que vou morrer jovem (não gosto muito de falar dessas coisas, porque vai que o universo se anima a contar piadas).
Um pensamento que tem envelhecido comigo e com a minha vontade de ser velha.
Pronto! Quero muito ser velha. Muito mesmo. Desde quando tinha 18.
“Preste atenção ao tempo passando”, talvez eu mesma me diga.
Pintei o cabelo de preto. A cor natural dele já é bem escura, mas eu queria ser mais durona.
Tive tanta pena de cobrir os fios brancos que quase desisti.★
Consegui espremer a sombra de uma década nas quase cem páginas de um caderninho que mede 14x20cm. O tamanho ideal.
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No mês passado eu li o diário de Rae Earl (um dos poucos que não me causa a angústia de estar sendo invasiva, já que ela mesma escolheu publicar). Confesso que foi a saída que encontrei depois de ter percebido que seria um pouco demais reassistir à série no mesmo dia em que vi o último episódio pela sei lá que vez.
Não vou falar do livro agora, porque ainda não sei como encarar com o devido respeito a identificação com uma adolescente dez anos mais nova que eu.
Friday 5.5.89*
10.16 p.m. “‘How soon is now?’ My song”.
Também passei o olho no meu diário, que comecei a escrever quando tinha a idade de Rae, no dia 28 de outubro de 2015. Achei que seria bonitinho se a última página falasse do dia 28 de outubro de 2025. Mas terminei com antecedência a única coisa que eu queria fazer no limite do tempo.
Tuesday 18.4.89*
“Apparently boys find ME intimidating! According to Bethany I am too much.
Can’t be fagged to write any more. All shit”.
A primeira página foi escrita a lápis, como algumas outras. Poucas vezes menciono nomes de pessoas ou descrevo uma situação de um jeito que sirva como uma memória que eu saberia saber como usar depois. Hesito em me expor no meu próprio diário. Virou um longo ritual de escrever pra esquecer, usando uma caligrafia que nunca se estabeleceu em um estilo só.
Sensações, cenários, sentimentos. Tudo se repete. É um pouco irritante, admito.
Por exemplo, um medo terrível de ficar insensível.
Na verdade, foi até bom perceber o que foi enchendo o meu saco ao longo dos anos. Assim posso identificar um padrão e antecipar do que preciso abrir mão pra evitar estresses desnecessários.
Não reli o diário todo, começou a parecer invasão de privacidade.
Wednesday 26.4.89*
9.20 p.m. “Can’t be doing with schoolwork any more. Going to put The Cure on and forget I exist”.
11.08 p.m. “Can’t lie. Listened to Gloria Estefan instead. Soppy but I love it”.
Engraçado notar como hoje parece boba a preocupação que eu tinha com criar uma narrativa, com a minha escrita (que eu raramente revisitava).
Queria terminar falando do meu desejo de rever os meus cabelos brancos (o que vai acontecer em breve porque a tinta começou a desbotar muito mais cedo do que me prometeram) e vê-los se multiplicar a cada dia. Foi a última coisa que escrevi no diário.
Vou colocar ele pra descansar em alguma gaveta longe de mim.
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Kester diz que tudo está no diário. Talvez.
Talvez agora eu precise de um caderno maior e de óculos atualizados.
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*Trechos do livro My Fat, Mad Teenage Diary, de Rae Earl
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