la vida secreta de las palabras

quando comecei a escrever aqui, agora, percebi que não tem jeito. acabo mencionando clarice em algum momento. ela apareceu em todos os meus blogs transitórios. tanto que eu não lembrava que há um ano tinha escrito em um deles: aos 41 anos da morte de Clarice, ao seu aniversário e ao tempo em que tenho aprendido a amá-la. era uma foto muito bonita dela e um poema de drummond (talvez eu tenha certa fixação por amizades alheias). "visão de clarice", o nome do poema. 

mais tarde, um dia...saberemos amar clarice

todo mundo fala. mas desconfio que nunca vou saber. 

esse ano de distância. o último livro que li foi um dela. a via crucis do corpo

eu disse lá que "nunca consigo traduzir de um jeito racional o efeito que o texto de clarice lispector tem sobre mim. não é totalmente agradável. mas é potente. terminando de ler fiquei pensando em como esse título coube...perfeitamente. essa coisa de morrer:". 

essa coisa de morrer...

falar de clarice me faz ter vontade de falar de outra pessoa.

e era dessa outra pessoa de quem eu queria ter falado desde o começo. quando percebi lembranças se transformando em referências.  

ilustração: charlotte ager

uma vez, depois de tantas aulas acontecidas, ela me olhou e perguntou se era meu primeiro dia. "é não!". "ah! deve ser um novo corte de cabelo, então!". 

era a hora das apresentações. aluno por aluno. eu já tinha começado a morrer por dentro pensando que ia precisar responder pela milésima vez o porquê de estar ali. mas ela queria saber se eu conhecia a origem do meu nome. eu disse que não. será que é russo? hm. você gosta de ler? e qual é o teu livro favorito? pensei em um e não consegui dizer, só que ela adivinhou. aí perguntou se eu achava que todas as pessoas tinham um pouco de macabéa. 

provavelmente.

lembro de maria, aluna, como eu, ter dito que seu livro favorito era o 1984 e de ter justificado com paixão. eu fiquei admirada. não sabia o que era aquilo. só fui entender melhor depois. 

não sei porque essas são imagens tão nítidas e presentes aqui dentro. deve ser o tipo de coisa que a gente sente quando entramos em contato com alguém que naturalmente causa uma inquietude.  

estávamos assistindo a um filme de alguém da turma de almodóvar, segundo ela. a vida secreta das palavras, o nome do filme. era a primeira disciplina de literatura portuguesa. ontem fui procurar um caderno pra ver se conseguia lembrar do que ela queria que a gente observasse. entre anotações sobre o amor cortês, tristão e isolda e a poética de aristóteles, achei um rabisco: silêncio e palavras - as formas de exteriorizar o silêncio - tensões e emoções - os tipos de amor - a necessidade da memória - fazer sentir (o outro).

o filme acabou. beliza, plena, contemplando os nomes subindo no quadro. nós, comuns, começamos a dispersar nossa atenção. mexendo nas bolsas, falando baixinho com o amigo, constrangidos porque a professora não começava a falar. uma boa eternidade depois ela nos olhou e disse: vocês não leem os créditos?

é.

ps.: talvez a hora da estrela nem fosse o meu livro favorito, mas tinha sido um transporte como, ainda, nenhum outro. 

Comentários

  1. eu achei tão bonita essa parte "eu fiquei admirada. não sabia o que era aquilo. só fui entender melhor depois". me lembrou o connell, personagem do livro (e da série ♥) normal people, nos primeiros dias na universidade cursando letras.
    lembro que li a hora da estrela na época da escola e achei chato. hoje, tenho muita vontade de reler, porque imagino que verei essa "chatice" a partir de outra perspectiva. provavelmente muito mais potente!

    o primeiro livro que terminei em 2020 foi da clarice. a paixão segundo g.h. ele me destruiu e me preencheu de um jeito que não consigo explicar. acho que se eu conseguisse, taria errado hahaha

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    1. pois é, manie! essa também era eu nos primeiros dias na universidade cursando letras hahaha <3 (e tenho sérias desconfianças de que vou gostar muito desse livro quando tiver a oportunidade).

      também li a hora da estrela na época da escola e até hoje não consigo explicar o que me marcou tanto. e nem porque. só é uma sensação forte. de inquietação, perturbação. não sei direito.

      quando tu for fazer essa releitura me conta, quero saber como vai ser tua nova experiência!

      não conseguir explicar esse contato. às vezes quer dizer muito (ou tudo), né?

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  2. recentemente andei relendo algumas páginas da biografia de Clarice escrita pelo Benjamin Moser, livro que eu li alguns anos atrás, quando eu ainda trabalhava em uma livraria em São Paulo. sempre que leio algo escrito pela Clarice, ou sobre a Clarice, penso em algumas pessoas que conheço, dessa vez pensei em ti também - principalmente pelo fato de teres citado o cachorro Ulisses um tempo atrás lá no meu blog. que venham bons dias, Maria, um beijo.

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    1. lembro que você falou dessa biografia de clarice nesses alguns anos atrás! que coisa eu tá nessa ponta de um pensamento teu que começa nela! lembro de mencionar o cachorro ulisses. inclusive, ainda com vontade de ficar só sendo.

      sempre bom te ver por aqui!

      que venham bons dias, ulisses! beijo.

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