vai chover...

onde eu morava antes de agora, uma vizinha de baixo colocou uma caixa com livros que ela não via mais sentido em ter. decidiu deixar por um tempo na frente de sua porta, pra que se, por acaso, alguém quisesse algum deles...mainha me avisou, e como fiquei com um pouco de vergonha de ir até lá, subiu as escadas com a caixa nas mãos. alguns romances espíritas, porque o marido tinha mudado de crença; livros que entregaram uma quase antiga graduação em letras...tenho o de latim, alguns de poesia, outros clássicos, dom casmurro..., identificados com um remetente de cajazeiras. o recordações do escrivão isaías caminha, de lima barreto, está entre eles, mas suas marcas são quase todas temporais, e de manuseio. folheando vi o único risco à lápis, de todo o livro, à margem, destacando uma frase logo no início. apenas essa. "O espetáculo de saber de meu pai, realçado pela ignorância de minha mãe e de outros parentes dela, surgiu aos meus olhos de criança, como um deslumbramento." uma edição da ediouro. do ano que só achei pesquisando. 1989. 

foto que tirei com o filtro 'television' do instagram @ogedaytekin
tenho olhado pra essa história de longe há anos. das lembranças com sr. lima barreto, a de uma leitura despretensiosa e de bom grado, ainda que imposta pela escola, de quase uma década. depois disso, o acesso a conversas dos outros, conhecedores de suas habilidades. e também a um comentário antigo de alguém que falava de como esse livro, breve no número de páginas, consegue tocar em alguns lugares fundamentais. foram dias, mais de uma tentativa por dia de ultrapassar a primeira página do primeiro capítulo. sustentadas na vontade e na certeza de uma ótima conversa.  

desde março de 2020 comecei a reparar com mais atenção em como eu tentava fugir do barulho. e depois de um tempo preferir conviver com esse barulho. o da televisão, do celular, do som, e, sobretudo, o dessa floresta de caos individual nossa. um coisa que guardo de quando vi gilmore girls pela primeira vez. dean dizendo a rory que nunca tinha visto alguém se concentrar tanto no que tá lendo, a ponto de ignorar o que acontece ao seu redor. comecei a pensar na ideia de precisar me transformar em alguém assim, desse jeito. uma saída pra suprir minha necessidade de literatura. pô, mas nem sei se é possível. nem se é honesto. e nem se existe algum meio termo. mas é que quando o espaço só pode ser maior na cabeça, nós somos os responsáveis pelos limites e burocracia. e a capacidade de inventar enfeite...

hoje o marcador ficou em cima da primeira página do segundo capítulo. acho que esse livro vai pra outras mãos bem mais marcado. comentei com helen uma vez sobre a relação baseada na simultaneidade que estabeleço com, nesse caso, os textos. talvez eu precise falar disso mais tarde. 



*essa foto tirei usando o filtro 'television' do instagram @ogedaytekin


Comentários

  1. queria só deixar registrado aqui que já li esse texto várias vezes, pois gosto muito e nem sei explicar.

    (aprendi a comentar nas coisas, antes só lia!!! vitória pra mim.)

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