Caso de emergência!

Já aceitei a minha condição de fã negligente. Aí me dizem “se é pra falar, Maria, fala de música!”. Como? Se eu não sei falar das músicas que gosto. Termina parecendo que tudo é sobre mim. Chatíssimo! Sei bem pouco de bem pouco, não tenho autorização pra criticar. O jeito é me meter no meio mesmo. Afinal, devo algum tipo de respeito à visão que tenho da vida...pago convertendo pra outros formatos o acervo pessoal que criei existindo timidamente há alguns anos. Tudo isso no campo das abstrações, como sempre, cada vez pior!!!! $%#@*!

Nessa hora aparece, de novo, a questão do tempo. O momento adequado, o famoso senso de oportunidade. E eu não consigo acertar nunca. A tela fica dizendo que preciso ter as palavras, com urgência. Acabo desistindo delas e indo procurar abrigo em outras construções sólidas (com medo de levar alfinetadas e querer roubar, como artista, claro…). Li algumas impressões sobre os Titãs, aqueles!, nos últimos meses. E o texto de Maria Ribeiro, em especial, fez com que eu ficasse um pouco obcecada pela minha dificuldade em assimilar adjetivos enquanto leio (o que é estranho pra uma matraca). E os Titãs admitem muitos adjetivos.

Os caras intimidam com a excelência.

Não tenho um repertório muito técnico. Quando se trata de música sistematizar o dizer das coisas é complicado. “Isso me lembra alguma coisa”, não sei o quê.

Veja só, eu insisto, mesmo que chegue atrasada.

Penso que a minha vida inteira ouvi meus pais, meus tios, falarem, muito sérios, que era impossível escolher sem sofrimento pra quem olhar no palco. Isso conversando com o sentido do impossível que parece ser ter um Titã favorito. Mas há aquela pequena chance de rolar.

Então, existem essas impressões nascidas em juventudes e elas falam da performance, do que se vê, do corpo em movimento, da dinâmica entre pessoas diferentes entre si e a combinação do extraordinário em cada um. Aí eu, espectadora atenta do crescimento obstinado dessa gente grande ao meu redor, tinha um material literário que ocupa uma memória inteira e o que eu podia fazer com isso era criar uma coisa que fosse minha. Tentando viver.

Os Titãs eram pra mim entidades que eu jamais conheceria de outras formas. Sabia tudo das músicas porque elas tocavam lá em casa, na casa de vovó, no ambiente de trabalho de painho e tio Roberto. Um tipo de sumário. É o que costura tudo, sabe? Quem estava lá todas as vezes em que escutei uma música dessas? Não é coincidência. Só agora vim usar fones de ouvido.

Já um pouco maior, conseguindo inventar novos ângulos pra ver, os Titãs se transformaram em amigos que sabiam como me deixar feliz. E vivi por muito tempo enrolada numa sensação parecida com a dos meus pais e tios. Nunca me forcei a escolher, esse é o tipo de pergunta que é uma delícia não saber responder. Só que ao invés das danças e giros e gritos e passos radicais e acrobacias e audácias, eu não conseguia decidir de quem eu gostava mais de escutar falar.

Em junho eu estive no meio da colisão do melhor desses dois mundos. E ao mesmo tempo em que passaram a soar mais reais pra mim, porque todos juntos, os shows foram o alimento pras paixões platônicas que não faço a mínima questão de impedir. Por esses jeitos de dizer! Deve ter sido o baixo de Nando. A voz que ele empresta pra que a gente devolva não sei o quê, não sei como, dizendo que só ela pode falar assim aos nossos ouvidos. (Menciono ele porque tô um pouco alucinada pelo Lugar de Sonho. E não vou lutar contra o que eu sinto. E aí escrevo isso no computador. O meu maior defeito é apagar demais).

Tia Paula encontra Sérgio Britto na hora do almoço em Paulista. Tio Roberto chora, encolhido debaixo da pia por vovó não ter deixado ele ir ao show. O show dos Titãs é o primeiro de painho. Tio Mike leva mainha pra ver os oito.

Fui entrando nesse clubinho meio de enxerida. São guias que me levam à minha família. Antes de Octavia, Ursula e Patti, eram eles que olhavam pra mim, presos na parede com fita durex, no encarte do Titãs 84 94 Volume 1. Sempre com a tarefa de me dar ânimo.

Tenho usado a minha participação indireta nesse reencontro como um tipo de poupança, um crédito com a vida. Porra, sinto que esse momento mudou de forma permanente o funcionamento do minha alma e corpo nesse plano. Espero que todo mundo possa viver momentos assim (seria bacana se não envolvesse o negócio da grana). Não paro de pensar em algumas coisas: É um bom sinal que a playlist que tocou nos shows do NE só tenha música brasileira? É, não é? Os mil olhos com que enxergo os efeitos da participação de Mauro e Quitéria nessa história. É um negócio de só tem aqui e só tem lá danado. Jesus não tem dentes no país dos banguelas e Nome aos bois são inseparáveis. O megazord que nasce de todos; o híbrido de Paulo Miklos e Sérgio Britto é meu personagem favorito, desculpa dizer! (Inclusive, protegido por um Charles Gavin vestindo a camisa do Sport). Os corpos em movimentos estrambólicos. Sei lá, um dia acenderam as luzes e só vi uma camisa legal do King Crimson.

A gente parece mesmo gostar de respostas. Onde eu tô desde que nasci, o elogio como resposta sempre foi uma coisa natural. Um tipo de agradecimento ao que o outro compartilha de bonito com você. Foi assim que aprendi a crescer. A consequência dessa criação é que eu mando mensagem pra todo mundo que eu gosto (o que é meio indecente quando a pessoa não sabe quem você é, vamo combinar). Ai, ai! Na verdade, queria saber como funciona pra gente querida por muitos e muitos seres humanos (que mandam mensagens como eu). Como eles veem tudo isso? Será que ainda conseguem decifrar a individualidade das experiências de quem tá recebendo tudo, criando junto? Escrevo aqui como quem cantarola pra ninguém e pra o universo ao mesmo tempo. Não importa ser vista, nesse caso.

Se eu já quis demais alguma coisa? Continuar perdendo o medo dos Titãs. Não estar na página branca de Arnaldo. Que a amizade sempre seja o coração de todas as histórias.

Acho que o Titanomaquia é o meu álbum favorito.

Felizes são os peixes. E eu com eles. Qual é a palavra?